quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Sem medida



"Joana a doida" a cidade chamava, porque corria pelas ruas e ficava nua. Mulher índia com olhos grandes, pretos como jabuticaba. Dizem que surtou de vez quando foi deixada por um grande amor...

Inicio minha aproximação com calma e cuidado " sái daqui mulher" ela jorrava, então, saía.

Permaneci. Teve bom dia, teve olá, curiosidade, teve padaria, chinelo, sentar no chão, coca -cola, arrotos, risos, carinho no cabelo, confidências, cumplicidade e muitos enrolados de salsicha.

Ela, olhos grandes, me buscava no hospital, desejante de rua.

Como em todo quadro psiquiátrico teve desestabilização, eu gritei, ela gritou, nós berramos, faltou cuidado, faltou ética e profissão .

O portão se abriu tarde da noite com leveza, sem nenhum trinco, imagina! E ela, Joana, desatinou com sua camisola branca horas na frente do hospital; e ninguém viu... ? Ninguém viu? Oi?

Cadê porteiro? E agora?

Joana deseja intensamente,

Joana correu, correu e correu,

Correu até os pés ferirem, até não conseguir mais, até em uma rodovia rodopiar, chocar com um caminhão de bom coração e subir direto pro céu.

...

O corpo de Joana ficou destroçado e de mãos atadas ficou eu e meu coração.

Mas a alma dela, acena lá de longe. Voraz, livre na vida, sem medida, como penso ser um espetáculo de um vulcão.



- o nome da usuária foi trocado.
- internada há vinte e seis anos.

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