domingo, 30 de janeiro de 2011



Quando o corpo fica quente e você não sabe muito bem para onde ir.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011



Eu não sei de nada.
Não sei se acredito – Posto que já acreditei demais.
Só sei que gosto da tua barba desnudando as minhas costas,
Do jeito que me cheira,
Do teu cheiro impregnado em meu corpo,
Do nosso cheiro espalhado nos cômodos,
Da felicidade trivial,
Dos teus pés indo de encontro aos meus,
Do seu sorriso junto ao meu,
De nós dois.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A Lenda de Narciso




Há milhares de anos atrás, na antigüidade mais remota do povo grego, nas terras da Beócia [1], nasceu Narciso, filho do rio Cefiso, que tomara à força a ninfa Liríope. Narciso era belíssimo e sua mãe, ansiosa por saber-lhe o futuro, procurou um famoso adivinho: o cego Tirésias. Na luz de sua escuridão Tirésias viu e disse:

- Narciso terá vida longa contanto que não se conheça nunca!

Liríope nada entendeu e mesmo consultando os mais sábios, não conseguiu decifrar o enigma daquelas palavras. Enfim, esqueceu a profecia. Narciso cresceu com os traços e as formas de um deus. Assediado pelas ninfas fugia de todas entretido com os jogos de caça, indiferente ao sofrimento das paixões não correspondidas que despertava.

Um dia, porém, cansado de longa jornada, quedou-se na relva à beira de um lago e, inclinando-se a fim de beber, pois tinha sede, eis que na superfície estática da água, deparou-se Narciso com o reflexo perfeito do próprio rosto, coisa que nunca vira antes em toda a sua vida. Extasiou-se. Nas palavras de Ovídio [2], assim reagiu o jovem, enamorado de si mesmo:

"...o rosto fixo, absorvido com esse espetáculo, ele parece uma estátua de mármore de Paros. Deitado no solo, contempla dois astros, seus próprios olhos, e seus cabelos, dignos de Baco, dignos também de Apolo, suas faces imberbes, seu pescoço de marfim, sua boca encantadora e o rubor que colore a nívea brancura de sua pele. Admira tudo aquilo que suscita a própria admiração. Em sua ingenuidade, deseja a si mesmo. A si mesmo dedica seus próprios louvores. Ele mesmo inspira os ardores que sente. Ele é o elemento do fogo que ele próprio acende. E quantas vezes dirigiu beijos vãos à onda enganadora! Quantas vezes, para segurar seu pescoço ali refletido, inutilmente mergulhou os braços no meio das águas. Não sabe o que está vendo, mas o que vê excita-o e o mesmo erro que lhe engana os olhos acende-lhe a cobiça. Crédula criança, de que servem estes vãos esforços para para possuir uma aparência fugitiva ? O objeto de teu desejo não existe. O objeto de teu amor, vira-te e o farás desaparecer. Esta sombra que vês é um reflexo de tua imagem. Não é nada em si mesma; foi contigo que ela apareceu, e persiste, e tua partida a dissiparia, se tivesses coragem de partir."

Mas Narciso não partiu. Ali permaneceu, paralisado de amor pela imagem aprisionada no espelho d'água. Não comia, não bebia para não se afastar por nem um segundo da imagem no lago, não dormia. Definhou. Morreu, afinal, de fome, de sede, de exaustão. Depois de morto, ainda assim não teve paz: nas profundezas do Hades, Narciso continua sua auto-contemplação debruçado às margens do rio Estige. Na superfície da terra, nos bosques, as ninfas pretendem fazer as cerimônias fúnebres mas eis que o corpo desapareceu e no seu lugar brotou a flor amarela e branca que hoje conhecemos pelo nome daquele que amou somente a si mesmo.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Belas Artes

Hoje acordei com sessenta e quatro anos,
Fui pro cinema só, comprei um machiatto e fiquei enebriada com o cheiro da pipoca.
A sutileza do cinema num final de domingo me aquece pra semana toda.


E se eu te contar que cansei de te amar?
E se eu te contar que cansei de sofrer, de sonhar e acreditar ?
E se eu te contar que eu joguei as cartas na mesa e resolvi de uma vez por todas me curar desse amor que me ensandece sem nem ousar pedir licença?
E se eu te contar que morri?
Ora pois, estou agora, portanto, morta.

Então...




"...foi quando eu senti, mais uma vez, que amar não tem remédio." Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011


“Ela gostava de estar com ele, ele gostava de estar com ela...
E...
Isso era tudo.”
(Caio Fernando Abreu)



Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos!

(Clarice Lispector)